Para onde vamos?

Vou iniciar esse texto tomando especial cuidado para que nenhum mal intencionado possa se aproveitar dessas reflexões para forçar uma interpretação equivocada ou mesmo uma distorção das minhas palavras. Portanto, inicio com os seguintes esclarecimentos:

1 - Sou totalmente a favor das manifestações que vêm acontecendo até o momento no Brasil;
2 - Repudio totalmente os atos de vandalismo, mesmo que poucos, contra o patrimônio público, assim como repudio a repressão policial (inclusive com uso da violência) sobre os manifestos e manifestantes;
3 - Defendo o Estado democrático de direito;
4 - Sou favorável a quase todas as causas que vem sendo levantadas nas manifestações.

Bem, definidas algumas das minhas convicções nesse preâmbulo, me sinto mais a vontade pra falar das minhas não-convicções. A primeira delas é que me intriga muito o que causou esse "furor" na população brasileira nos últimos dias. Depois de refletir um pouco, tendo a concluir que a explicação mais plausível é que estamos vivendo uma importante crise de representatividade.

Explico meu raciocínio: apesar de ter se iniciado como um movimento de revolta contra o aumento das tarifas de transporte público, esse movimento tomou proporções muito maiores, sem que haja um foco especifico. Há uma difusão de argumentos que se propõem a explicar o porquê da mobilização de parte da sociedade. Essa falta de foco, aliada ao sentimento de revolta contra vários posicionamentos dos agentes políticos, e ainda com o repúdio à inserção de bandeiras político-partidárias, apontam nesse sentido.

A sociedade parece ter cansado de se revoltar silenciosamente. Aparentemente, há um recado que se deseja enviar aos agentes políticos: muitos brasileiros não concordam com a forma como vocês têm conduzido os rumos do país, seja no que tange à aplicação dos recursos públicos (atribuição do poder executivo), seja no que tange à regulamentação da vida em sociedade (atribuição do poder legislativo).

Alguns sinais e sintomas parecem corroborar com isso:

a) O único poder para o qual a população tem manifestado apoio é o judiciário, inclusive com algumas bandeiras de defesa da candidatura do Presidente do Supremo Tribunal Federal;
b) As manifestações em favor da derrubada de alguns projetos de lei que "não foram engolidos" pela população ou por parte dela, como a PEC 37, a polêmica cura gay, as manobras políticas do congresso em defesa da perpetuação dos governos e até o ato médico;
c) As manifestações contrárias à aplicação de vultuosos recursos públicos em obras relacionadas à Copa do Mundo, em detrimento aos  investimentos em áreas sociais importantes, especialmente saúde e educação.

Para mim, esses são sinais claros de que parte da população não se sente mais representada pelas pessoas que vêm exercendo o poder político, tanto no legislativo, como no executivo. Ou seja, uma crise de representatividade. Mas, disso surge a minha segunda incerteza: por que a população resolveu se manifestar nas ruas e não nas urnas? Num Estado democrático, o povo escolhe seus representantes, trocando sempre que necessário aqueles que não os representam adequadamente por outros que se proponham a agir de forma diferente. Por que as pessoas resolveram não esperar pelas urnas?

Mais uma vez refletindo, tendo a concluir que há uma segunda crise instalada: a crise de credibilidade. Há um sentimento no ar de que "todos que estão aí" não prestam. E parece que não é só quem está aí, mas sim todo aquele que apresentar-se com pretensões políticas. Fundamento esse raciocínio e impressões nas inúmeras frases e ilustrações postadas nas redes sociais (sem contar os inúmeros depoimentos verbais de familiares, amigos e colegas de trabalho) que vinculam a imagem de qualquer político a dos ladrões, ou da defesa de que a prática política não seja remunerada.

Fico aqui pensando... De onde surgiram essas crises? Foram tantas decepções com a prática política que talvez não seja tão difícil de entender... Falta de transparência, decisões polêmicas tomadas sem que fossem discutidas de forma ampla com a sociedade, abusos com o uso do recurso público, quase sempre com desvio dos mesmos para interesses privados, entre tantas outras coisas...

Mas, por que só agora a explosão? Essas crises (de representatividade e de credibilidade) não parecem ser coisas necessariamente novas. Há teoria (inclusive defendida pela Presidente) de que a ampliação do acesso à educação teria favorecido o desenvolvimento de uma consciência crítica. Entretanto, há quem se contraponha e afirme que o investimento em educação não necessariamente  resultaria nisso, uma vez que foi ampliado o acesso, mas não a qualidade (o que tem coerência, especialmente quando consideramos as tendências mercadológicas do sistema educacional brasileiro).

Imagino que uma boa explicação para o porquê do agora reside no fato de que as mudanças de "comando" ideológico no campo político do Brasil, traduzida na "troca" de representantes ocorrida no início dos anos 2000, não resultaram no atendimento de todas as expectativas. Esses quase 11 anos de PT, em que pese que a população tenha reconhecido os avanços na área social (com efetiva redução da desigualdade social), não foram suficientes para atender outras expectativas do nosso povo. Alguns problemas graves continuaram, especialmente aqueles relacionados à falta de transparência dos governos, o uso indevido dos recursos públicos, a pouca participação popular nas decisões mais polêmicas sobre a vida em sociedade e os pífios resultados das políticas públicas essenciais (saúde, educação e segurança pública, por exemplo).

Essa "troca" de comando político, alcançada pela promessa de uma transformação ideológica muito bem "vendida" pelos competentes profissionais de marketing, gerou uma expectativa grande, talvez do tamanho da decepção que percebemos agora nas manifestações. E olha que a Presidente iniciou seu governo com movimentos que aparentavam tratar de forma dura e intolerante os desvios de recursos e as demais condutas não condizentes com a ética social.

Talvez, parte de sua alta popularidade ainda seja explicada pela impressão positiva que causou ao agir dessa forma. Mas, essa conduta não pode ser incoerente com suas demais práticas, e as de seus principais assessores. Sua incipiente ação no sentido de se afastar de figuras acusadas (aliás, agora condenadas) de práticas escusas, em minha opinião, influenciou bastante nessa inquietude da população. As vaias na abertura da Copa das Confederações são sintomáticas nesse sentido...

Essa linha de raciocínio me leva a mais uma incerteza: onde isso tudo vai chegar?Confesso que não gosto nem um pouco de algumas coisas que tenho visto e escutado, como por exemplo as idéias estúpidas que insinuam a tomada do poder pelos militares (pasmem!). Porém, mesmo que não sejam estúpidas, algumas outras  idéias também não me agradam... Não gosto desse discurso de que "nada nem ninguém presta" e também não acho que ganharemos alguma coisa com atos de violência, contra quem quer que seja.

Gosto de pensar que tudo isso vai resultar em uma forte pressão popular em prol de uma reforma política profunda, que nos liberte desse sistema que tem alimentado a corrupção e o assistencialismo. Não tenho, é claro, a ilusão de que essa reforma política transforme o país de um dia para o outro. Sei que temos um longo caminho a trilhar, e acho que estamos amadurecendo enquanto nação. Mas, a reforma talvez nos ajude a  corrigir distorções nesse sistema político que favorecem que os corruptos sejam a maioria, quando deveria ser o contrário, ou num devaneio utópico, inexistentes (utópico porque acredito que a corrupção ainda está assentada no espírito humano, face seu pouco grau de desenvolvimento moral).

Mas, para além de sonhos, tenho alguns receios também... Receio, por exemplo, de que nossas manifestações se percam na incapacidade de nos movermos mais unidos e focados no que realmente importa. Receio de que os demagogos se utilizem dessa nossa incapacidade e manobrem as massas para lutas que favoreçam interesses privados. Ou mesmo  que manobrem para que percamos nossa força pela difusão de lutas internas, na defesa por argumentos secundários que enfraquecem o sentido mais amplo de nossas insatisfações. Receio de que não saibamos dosar a insatisfação e percamos a referência de que muito do que está aí construído tem sim um valor importante, e que não devemos "jogar o bebê fora junto com a água".

É... Vou terminar com mais uma incerteza: o que podemos fazer ou em que podemos apostar para prevenir que alguns desses receios se tornem realidade, e para que nosso amadurecimento seja posto a prova na busca por soluções efetivas para esses males (reconhecendo as conquistas já alcançadas)? É claro que tenho minhas crenças e apostas... Mas estou ávido por discutir novas formas de pensar nosso país, nossas pessoas e nossas formas de agir nesse cenário.

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