Sim, vamos discutir política, religião e futebol!

Há algum tempo tenho tentado compreender mais significativamente porque as redes sociais nos atraem tanto. Não porque eu tenha qualquer interesse (pelo menos até agora) por uma pesquisa acadêmica, mas porque sempre que estou “navegando” vejo, ouço, leio coisas que mexem profundamente comigo. E, a julgar pelo crescimento exponencial de usuários e das próprias redes sociais, imagino que isso não ocorre somente comigo. Refletindo sobre isso, construi uma hipótese, que até pode ser superficial, mas que no momento faz muito sentido para mim: as redes sociais mexem profundamente conosco porque elas revolucionaram o modo como podemos expressar nossos pensamentos e valores, o que, por sua vez, foi significativamente impulsionado pelo avanço da tecnologia.

Para justificar essa linha de raciocínio, quero iniciar essa análise, pela seguinte prerrogativa: todos nós pensamos, desenvolvemos opiniões sobre tudo, estabelecendo um conjunto de valores construídos numa experiência singular, mas num contexto coletivo. É “singular” porque ninguém se constituirá igual a outrem, e é "coletiva” pelo fato de que essa construção é influenciada por várias pessoas que convivem com cada um de nós e que construíram, ou estão também construindo seus valores. E, por alguma razão que não me atrevo a tentar explicar, nós precisamos, desejamos, queremos COMPARTILHAR o que pensamos e os valores que agregamos. Mais ainda: esse compartilhamento de pensamentos e valores é carreado de emoções, porque ao construir valores o ser humano parece integrar sentimentos a eles. Ou seja, quase que reforçando um movimento de auto-afirmação ou auto-conhecimento, as emoções intensificam nossa crença nos valores construídos. E, ao compartilharmos esses valores permitindo que as emoções sejam também expressadas, nossa capacidade de expressão fica mais rica e viva.

Na prática, isso implica no seguinte: todos nós queremos encontrar oportunidade de expressar aquilo que pensamos e acreditamos, e queremos fazer isso da melhor forma possível, até para que possamos ser melhor compreendidos nas nossas escolhas. Aplicando esse raciocínio ao contexto atual, podemos afirmar, com uma certa segurança, que se você discordava de alguma coisa porque se caracterizava como uma causa antipática à que você defendia, antes do "boom" da tecnologia da informação e comunicação, a oportunidade de expressar esse pensamento era através das rodas de conversas com amigos, familiares, colegas de trabalho ou, talvez, por meio de algum espaço (organizacional) temático que se propusesse a uma discussão correlacionada ao tema. E isso implicaria, necessariamente, na troca de experiências e opiniões onde as emoções têm um papel chave na capacidade de expressão. Ou seja: a boa e velha discussão, com muito calor humano.

A era da internet, por si só, ampliou as formas de expressão dos nossos pensamentos e valores através dos blog’s que, assim como este, se destinavam a compartilhar as diversas formas de pensamento do homem. Os blog's já representavam um avanço em relação aos sites tradicionais, pois permitiam que, para além do compartilhamento de informações (que é a missão principal dos sites), o homem atribuísse um juízo de valor a elas. A partir daí, para além das rodas de discussão “presenciais", encontramos um outro espaço para compartilhar aquilo que nos afeta (positiva ou negativamente). Com o advento das redes sociais, esses espaços foram potencializados justamente porque as últimas evoluções tecnológicas têm permitido outras formas de expressão para além da escrita (como o uso de recursos audiovisuais, por exemplo) e a interatividade mais intensa (“em tempo real”), que aprimoraram inclusive a percepção mais clara de nossas emoções nessas oportunidades virtuais de compartilhamento de valores.

Apóio essa linha de pensamento também na minha experiência profissional. Você já participou de algum curso à distância por meio da internet? A evasão nesses cursos parece ter uma relação direta com a frieza que a interação por meio do computador provoca. Tanto é que a maioria dos desenvolvedores de Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA's) buscam tornar seus espaços de encontros mais interativos. Muitos alunos de cursos on-line trocam a frieza da interatividade dos AVA’s por plataformas de redes sociais que as aproximam mais uns dos outros (claro que estou falando de cursos que se propõem a um processo de ensino-aprendizagem interativo e ativo). Falta aos AVA’s o calor humano de uma roda de discussão. O futuro da educação à distância tem muito a ver com a capacidade de evolução tecnológica que permita cada dia mais uma interação mais calorosa entre os atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

Mas, não é sobre isso que desejo dar um enfoque nessa postagem. Desejo mais, nesse momento, pensar nas implicações disso para nosso dia a dia como seres sociais. Não vou falar novamente sobre responsabilidade social no compartilhamento de informações etc e tal. Em uma postagem anterior já expressei o que penso a respeito.  Tampouco desejo falar sobre os possíveis prejuízos emocionais à interação humana entre pessoas fisicamente próximas, mas que se distanciam pelo uso excessivo da tecnologia da informação e comunicação (quem nem naqueles vídeos e charges de auto-ajuda). Quero sim registrar aqui minha opinião sobre um outro aspecto que é bastante perceptível nas redes sociais. Um que considero mais sombrio, em que pese meu reconhecimento sobre a vantagens do uso das mesmas, especialmente na nossa capacidade de expandir as fronteiras da interação humana.

Considero, a partir do que expus nos parágrafos anteriores, que a expansão gigantesca do uso das redes sociais muito se deve ao fato de que o ser humano adora compartilhar o que pensa e valoriza, entretanto quero ressaltar que não necessariamente ele gosta que haja divergência em relação a seus pontos de vista. Isso faz com que todo mundo tenha disposição para postar coisas que reforcem seus pensamentos e valores, mas não necessariamente significa que esse compartilhamento de ideias irá gerar boas discussões. É a materialização nas redes sociais daquele velho dito popular: “Política, religião e futebol não se discutem”. Nas redes sociais, o homem tem descoberto novas formas de expressar o que pensa e valoriza, inclusive utilizando-se das maravilhas que a tecnologia da informação e comunicação lhe proporcionam para carrear as emoções e se fazer melhor compreendido. Entretanto, em que pese a evolução permanente na capacidade de interação, as redes sociais ainda têm refletido uma característica que o homem contemporâneo possui: o de manter-se inflexível aos seus pensamentos e valores, fechado nas suas convicções egoístas. Atente para o fato de que eu escrevi “refletem” e não “geram”. Sim, pois não foram as redes sociais que produziram esse comportamento no homem. Ele lhe é inerente. Portanto, não estou fazendo crítica às redes sociais, mas sim a como nos as temos utilizado.

Essa falta de abertura para o argumento do outro engessa a própria evolução humana. Há uma ansiedade generalizada pela afirmação de valores (ou seria pela imposição de valores?). Todo mundo quer expressá-los, mas nem todo mundo (aliás, a maioria) quer fazer uma boa discussão sobre eles. Isso tem gerado, entre outras coisas, as diversas manifestações de intolerância que encontramos dia após dia nas redes sociais. Tem também empobrecido a nossa capacidade de participar com mais qualidade da vida política de nosso município, Estado e país. Vamos logo afirmando, do alto de nossas convicções: “todos os políticos são ladrões… nenhum presta”. Destilando a revolta que nos assombra os corações. Expressamos assim (repletos de emoções), nossas crenças como se elas fossem imutáveis. Ficamos reféns também de uma falsa imutabilidade do mundo, como se as coisas já estivessem dadas. Talvez façamos isso porque seja cômodo colocar a responsabilidade da mudança no outro, uma vez que sempre é o outro que está errado. 

Em suma, esse aspecto do comportamento humano, que se reflete no crescimento exponencial do uso das redes sociais, tem causado a nossa fuga das boas e necessárias discussões. Essa negligência pode nos custar muito caro. Não discutir política, religião e até futebol, implica na aceitação de que o modo como essas questões se expressem no mundo sejam determinadas por quem está disposto a discuti-los. Proponho, portanto, que mudemos nossa forma de expressão nas redes sociais: que possamos sim compartilhar o que pensamos e valorizamos, mas também que sejamos um pouco menos egoístas e orgulhosos, para ter a humildade e o respeito de ouvir o diferente e também para nos permitir ao menos considerar que existem outras formas de ver e interpretar o mundo. Penso que as consequências disso para a vida em sociedade, no mínimo, serão o fortalecimento da liberdade de pensamento e o amadurecimento da democracia. Sim, vamos retomar o gosto pelas rodas de discussão, mesmo que sejam sobre temas tão polêmicos e repletos de cargas emocionais. Inclusive nas redes sociais. E, se possível, retomemos a capacidade de nos permitir mudar. Como diria o poeta: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”.

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