Dia Mundial da Saúde - Reflexões (postado originalmente em 2006)

Hoje, deveríamos estar comemorando o Dia Mundial da Saúde. Deveríamos, porque a política pública nacional de saúde, apesar de estar vivendo um momento especial de construção, não nos apresenta bons motivos para comemorarmos.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é a mais importante política de inclusão social de nosso país. Essa importante conquista do movimento da reforma sanitária brasileira, que resultou na inclusão da saúde como direito do cidadão e dever do Estado na Constituição do Brasil, vem revolucionando a forma de entendermos e fazermos saúde.
É triste quando assistimos nas redes de televisão às atrocidades que a população (principalmente a mais carente) tem que se submeter para usufruir de um direito tão básico e importante. E, como é de nosso costume, pensamos: "é culpa dos políticos, que não fazem nada...". Em parte, ao exteriorizarmos esse tipo de pensamento, estamos certos. Infelizmente, a condução política da saúde é usualmente bem irresponsável, e em vários lugares e tempos, corrupta mesmo.
Porém, seria uma análise muito superficial atribuírmos as falhas do SUS apenas à condução política do mesmo. Até porque, conforme relatei no blog anterior, os nossos representantes políticos são um reflexo do que somos e pensamos enquanto povo. Há basicamente três grandes problemas que podem resumir a situação atual de dificuldades que o SUS enfrenta.
O primeiro e mais importante está na questão do financiamento. Matemática é uma ciência exata, isso todos aprendemos no ensino fundamental. Isso significa que 1 + 1 = 2, e que nada funciona sem dinheiro, inclusive o SUS. Alguém pode afirmar que há muito dinheiro para a saúde pública no país, pois no ano de 2006, a União orçou para a saúde um montante de recursos na ordem de R$40.000.000.000,00 (quarenta bilhões de reais), o que só é menor do que os gastos previdenciários, representando 7% da receita bruta do país. Porém, este número não representa a realidade de arrecadação, uma vez que, para efeitos de cálculos orçamentários, são expurgados os valores a serem pagos de juros com a dívida externa, que foram orçados em cerca de R$ 180 bilhões! Ou seja, gasta-se mais de quatro vezes com paga­mento de juros do que com saúde!
Para quem está lendo e nunca teve muito acesso à informação sobre o financiamento do SUS, cabe aqui ressaltar que o SUS é um sistema financiado pelas três esferas de governo, ou seja, União, Estados e Municípios, cabendo a cada uma delas investir percentuais mínimos de recursos, vinculados às suas respectivas receitas. Isto foi uma grande conquista do povo brasileiro, inserida na Constituição através da Emenda Constituicional nº 29. Porém, mesmo com essa garantia Constitucional, fica muito difícil pensar saúde pública de qualidade quando sabemos que nosso investimento em saúde é muito inferior a vários países do mundo. Senão vejamos: gastamos atualmente cerca de US$135,00 (dinheiro público) per capita, o equivalente a menos de R$1,00 por dia por habitante; isso é menos do que gastam países vizinhos como Chile, México, Argentina, Panamá e Costa Rica; equivale, ainda, a menos de 10% do que gastam os países Europeus. A coisa fica ainda mais feia quando percebemos que do total de recursos gastos no país com saúde (público e privado), apenas 45% são oriundos de fontes públicas. Em países desenvolvidos, esse percentual está na casa dos 70%.
Adicione-se a esta realidade de tão pouco recurso público para financiar o SUS, a gestão equivocada (e muitas vezes corrupta) desses poucos recursos, e daí você encontra a principal dificuldade que o SUS enfrenta na atualidade. Sem contar que muitos gestores públicos ainda dão aquele famoso "jeitinho brasileiro" para burlar a Lei e justificar gastos com coisas que nunca poderiam ser consideradas "despesas com saúde".
Mas, tenha calma! Eu disse que são TRÊS problemas básicos, e até agora só falei do primeiro! O segundo, tem também uma importância estratégica para que o SUS venha a funcionar como sonhamos. Diz respeito ao controle social. Assim como o financiamento está previsto na Carta Magna brasileira, também a participação da sociedade está (Art. 198). Além disso, a Lei Orgânica da Saúde (8.142/90) também discorre profundamente sobre a participação da sociedade no SUS. Sem contar a Resolução 333/2003 do Conselho Nacional de Saúde, que dá as diretrizes e fundamentações para o bom funcionamento dos Conselhos de Saúde. Citei todo esse arcabouço legal apenas para que tenhamos a noção de que o momento é de se fazer cumprir o mesmo. Não precisamos aumentá-lo, apenas fazer com que seja cumprido. E não estou falando apenas de sermos mais responsáveis na escolha de nossos representantes políticos. Falo também de arregaçarmos as mangas e buscarmos exercer nosso papel. Afinal, isso é controle SOCIAL, e é para ser feito por NÓS.
Infelizmente, ainda temos visto muito controle social ineficaz e, porque não dizer, irresponsável. Muitos de nós sequer sabemos que isto existe, e muitos dos que participam são manipulados pelos gestores, frequentemente indicados por eles. Assinam atas, aprovam meio mundo de coisas sem sequer saber o que estão fazendo. São irresponsáveis mesmo. Porém, mais irresponsáveis somos nós. Ahhh, você não se sente culpado? Então, vamos lá! Procure responder as seguintes perguntas:
1) Onde funciona o Conselho de Saúde de sua cidade?
2) Quem faz parte do Conselho de Saúde de sua cidade?
3) Quais as últimas deliberações do Conselho de Saúde de sua cidade?
4) Quanto sua cidade recebe de recurso para finaciar as ações e serviços de saúde mensalmente?
5) Quem é o gestor de saúde de sua cidade?
Se você respondeu todas essas perguntas, parabéns, mas ainda é um irresponsável, porque não está estimulando as pessoas a saberem o mesmo que você. Se você não respondeu nenhuma (o que é bem provável), não se desespere porque ainda há tempo para fazer algo, mas agora esteja consciente de que você também deve ser responsabilizado.
Com um controle social efetivo, diminuiremos absurdamente a corrupção dos poucos recursos públicos da saúde. Poderemos acabar com o cabide de empregos que se formou na saúde, especialmente na prinicipal estratégia de atenção à saúde (Saúde da Família), reforçando a gestão do trabalho e, consequentemente, a qualidade dos serviços.
Certo, mas e o terceiro? Finalmente chegamos onde você queria! A linha de condução do SUS. É bastante óbvio que quando conduzimos o SUS de forma técnica, ou seja, tomando decisões baseados em caráter técnico, ganhamos enormemente na qualidade da gestão dos recursos. Quando não temos que "adpatar" cargos, salários e serviços aos requintes políticos, as coisas andam muito melhor. Por isso, esteja bastante atento aos candidatos que estarão se apresentando para você nessas e nas próximas eleições. O bom candidato é aquele que reforça a democracia, que discute conosco como deveremos usar os recursos públicos, que respeita as decisões (desde que sob amparos legais e técnicos) do povo. Esse tipo de político conduzirá o SUS sob uma linha técnica, voltada para eficiência, transparência e economicidade; promoverá o controle social e lutará por um financiamento mais responsável.
Aí, então, teremos o SUS que queremos, e poderemos comemorar o Dia Mundial da Saúde.

Comentários

Unknown disse…
Muito boa essa postagem, o tema foi apresentado de forma absolutamente sintético e claro, essa é uma forma de construir a nossa sonhada e real cidadania brasileira.

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