Motivação e Liderança (postado originalmente em 2006)

Os passes magistrais de Robinho e Kaká para, respectivamente, surgirem os dois primeiros gols da seleção brasileira marcados por Elano, no amistoso de hoje contra a Argentina em Londres, mostraram o quanto o talento dos nossos craques fazem a diferença na hora de decidir uma partida. O Brasil sempre foi conhecido e admirado por formar grandes talentos, e com eles ganhamos vários títulos internacionais, e o reconhecimento de que formamos os grandes jogadores da história do futebol.
Ainda assim, amarguramos longos 24 anos de jejum das conquistas mundias, período em que o futebol holandês encantou o mundo com sua disciplina tática e o alemão conquistou grandes vitórias, especialmente pelo seu arrojado vigor físico. Os italianos e argentinos também mostraram competência nesses dois quesitos, ressaltando-se o fato de que estes, tradicionalmente, mostram um futebol de maior qualidade do que aqueles. Maradona não me deixa mentir....
Em 94, nos EUA, Parreira mostrou uma equipe burocrática, ou seja, com disciplina tática e vigor físico. Nossa salvação saiu dos pés de Romário, o talentoso do grupo, ao lado de Bebeto. E, finalmente, nos rendemos à robotização do futebol. Em 98, na França, assistimos à repetição da fórmula vencedora, mas não convincente, de 4 anos antes. Todos lembramos o quanto o talento fez falta.
A copa da ásia foi estranha: começamos com o moral bastante baixo, e não estávamos jogando o melhor futebol, apesar de termos talento, disciplina tática e vigor físico. Felipão demonstrou que um novo ingrediente viria apimentar o futebol: a motivação. Soa estranho falarmos em um ingrediente tão básico. Mas, sem desconsiderar a importância da disciplina tática, do preparo físico e do talento, a motivação tem sido outro diferencial importante. Tem-se falado muito sobre ela ultimamente, uma vez que a apatia da maioria dos comandados de Parreira na copa da Alemanha foi ridícula. Mas, tenho me questionado frequentemente sobre isso: do que (ou de quem) depende a motivação do grupo de jogadores?
Já vi algumas teses afirmarem que com jogadores que ganham fortunas fica difícil obter a tal motivação. E acho que concordo em parte. A indústria do futebol remunera astronomicamente seus principais astros e isso pode levar a uma sensação de "endeusamento". Mas, preste atenção, eu digitei "pode". Consideremos também que a carreira no futebol é muito rápida e que muitos jogadores têm exemplos de sobra do que o "endeusamento" pode fazer com suas carreiras. Eles aprendem rápido que para continuar ganhando suas fortunas precisam "mostrar serviço". Em uma competição como a copa do mundo, na qual um simples erro pode ser fatal (especialmente no mata-mata), motivação é essencial. Mas, com a extensa cobertura jornalística que é dada ao futebol no mundo, a copa está se tornando banal (para os jogadores, é claro). E se reduzirem para a cada 2 anos é que a coisa fica feia.
Então, onde buscar a motivação? Dizem os conhecedores dos bastidores do futebol que Felipão é um grande motivador. Sua maior habilidade é conseguir liderar de forma tal que os jogadores atravessam paredes por ele (ou pela causa que ele os faz compreender). Acho que a capacidade de liderar tem tudo a ver com motivação mesmo, especialmente no futebol moderno que é essencialmente fugaz e mercantilista. Nessa última copa, revoltamo-nos com a passividade dos astros que já conquistaram tudo, ao tempo em que nos emocionamos com o choro de Edmílson antes do início da copa e de Gilberto Silva ao término do fatídico jogo contra a França. Comentamos positivamente a garra demonstrada por Robinho, Fred e Cicinho, que justificavam-se no fato de serem considerados reservas, loucos para se firmar. Mas, o que dizer de Lúcio? Era titular absoluto e dono de um currículo invejável de títulos, inclusive de campeão do mundo. Lúcio é um dos raros casos de jogador que se auto-motiva, apesar de todas as condições desfavoráveis para tal. Ele, mesmo que não saiba, consegue enxergar uma razão maior para estar ali, coisa que a grande maioria precisa que alguém mostre.
Essa razão maior, para que surta o efeito necessário, está intimamente relacionada com o fazer o bem. Eita papinho esquisito!!! Mas, por mais estranho que pareça, parece ser verdade. Para Lúcio, fazer o bem significa dedicar-se de forma sobre-humana se necessário ao intuito de vencer, porque ele tem lucidez que milhões de pessoas estão esperando isso dele. Elas nem esperam a vitória, mas esperam ver nele a vontade que elas têm de ganhar.
Dunga apostou alto nisso, e usou inteligentemente a disposição de jogadores jovens, que desejam muito firmar-se no futebol mercantilista, para alcançar o objetivo de vencer. Demonstrou coerência também ao escalar o time que iniciou contra a Noruega, porque sabe (mesmo que inconscientemente) que um dos princípios da liderança eficaz é ser justo. E, demonstrando uma percepção eficiente, entregou a Lúcio a faixa de capitão do time, porque compreende que um exemplo vale mais do que mil palavras.
Alguns críticos dizem que existem vários nomes mais preparados para assumir a função hoje preenchida por Dunga. Mas, será que com o leque de craques que temos hoje e a excelente comissão técnica à disposição, proporcionando a união deste enorme talento a uma disciplina tática e vigor físico extraordinários, continuaremos precisando de um treinador? Talvez estejamos precisando mais de um líder, capaz de motivar o elenco, fazendo-os compreender o motivo ideal porque eles estão em campo. Talvez essa seja a chave que abre as portas da compreensão sobre a brilhante vitória do Brasil hoje sobre nossos maiores rivais.

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